Para refletir ... estava lendo uma revista quando vi esse texto, legal pra dar uma refletida, e expressar-se quando tiver vontade ;D
É o parque em inverno de muitos verdes,de: pipoca, algodão-doce,cata-vento.Estamos envoltos em lã. Alguém toca realejo.
Vemos- que o moço de chapéu-coco senta-se a um canto a outro a moça de saia de pregas.Ignoram-se. Ambos escondem cinzas, poucas, no coque e sob o chapéu. Têm o rosto cansado, mas sereno.
E sabemos- que o moço, matemático, perdeu a mulher pra cantor (de boleros). Às vezes ,chora. Não tem vícios. Gosta de carrosséis, à noite. Cultiva cravos.
A moça nunca arranjou marido. É enfermeira (mas quis ser trapezista).Quer uma filha ,pra chamar de Alice. Sente frio.
Se o moço visse a moça, se a moça visse o moço, haveria comoção, queda de amores. Piscariam os grandes olhos tépidos. O moço daria à moça o cravo em sua lapela, seu negríssimo sobretudo. Mentiria- que é muito poeta, tocador de acordeão.
A moça estenderia a mão com luva, tentaria sorriso nunca usado. Saberiam ambos. Dar-se-iam o medo de que o outro morresse, fugisse - o acender de luzes pra ver se o outro tem um corpo, e dorme.
Se vissem, se apenas vissem, ela seria Mafalda, ele Armando, de sobrenome mesmo. Assinariam papéis. Na boda, Mafalda usaria lilás, já tão cheia de Armando, de Alice: Alice seria frágil , de doçura tanta... Teimaria em andar descalça (menina, nesse chão gelado!) enquanto a mãe lhe tricotasse longas meias, e para o pai um cachecol vermelho.
Se , apenas se, iriam ao circo, andariam de carrossel, à noite- Alice sorrindo, sem os dentes da frente. Seriam três por aí, tão juntos (cuidado com o vento, os carros, o sangue, os insetos). Seriam três, e a certeza de um beijo, se o quisessem, e não respirar sozinho.
Mas eis que chega a hora de partirmos. É cada vez mais tarde. O moço , que tinha nas mãos o chapéu-coco, devolve-o a cabeça. A moça ajeita a saia de pregas. Levantam-se.
E caminham, os dois, para ruas opostas, na direção de prédios muito altos.
Revista Bravo! ,Junho de 2010
Texto de Ana Santos , O que faltava ao Peixe